Adaptações Metabólicas durante a Gestação

Nutrientes essenciais ao feto:
Nem todos os nutrientes atravessam a barreira placentária (Ex: triglicerídeos).
Os nutrientes que conseguem ultrapassar esta barreira são:
1º Glicose: É o nutriente mais importante para o feto.
A glicose é facilmente oxidada, fornecendo energia quase instantaneamente.
2º Aminoácidos: Essenciais para o crescimento e desenvolvimento dos tecidos fetais.
3º Corpos cetônicos: Através deles o feto obtém os ácidos graxos essenciais e os lipídios, já que os triglicerídeos não atravessam a placenta.

Obs: Devido ao alto fluxo de glicose e aminoácidos mãe-feto, a gestante pode sofrer hipoglicemia e hipoaminoacidemia.

Etapas Metabólicas durante a Gestação:
Fase Anabólica –1º e 2º trimestre de gestação
· Hiperfagia (↑ consumo alimentar);
· ↑ do Peso corporal;
· ↑ do percentual de gordura corporal;
· Lento crescimento fetal;
· ↑ da atividade da LPL no tecido adiposo (para acumular reservas adiposas);
· ↓ da LPL placentária.

A fase anabólica ocorre para a mãe acumular tecido adiposo.
Qual a importância de acumular reservas adiposas já que os triglicerídeos não atravessam a barreira placentária?
R: Durante a fase catabólica, a LPL placentária estará aumentada. A LPL hidrolisará os triglicerídeos possibilitando o fornecimento de ácidos graxos ao feto.

Fase Catabólica –3º trimestre de gestação
Ocorre um rápido crescimento fetal sustentado por:
· ↑ do fluxo de transferência placentária de nutrientes
· Acelerada mobilização das reservas adiposas da mãe para o feto (devido ao ↑ da LPL placentária e ↓ da LPL no tecido adiposo materno);
· Perda ou manutenção do Peso corporal.

Importante:
As alterações endócrinas maternas nestas fases são mediadas pelo ↑ ou ↓ da sensibilidade à insulina.
Porém, a placenta possui GLUT 1 (é um tecido não insulino-dependente).

Metabolismo dos Carboidratos e Aminoácidos durante a Gestação:
· ↓ reservas de glicogênio;
· ↓ neoglicogênese (síntese de glicose);
· ↑ consumo de glicose pelo feto.
Toda a glicose materna está disponibilizada para o feto, sendo assim a mãe sofre constantes episódios de hipoglicemia. Assim, haverá:

Neoglicogênese
A neoglicogênese está aumentada para evitar a hipoglicemia materna.
Lembrando..., os substratos da gliconeogênese são: piruvato, alanina e glicerol.

No adulto, o principal substrato para a gliconeogênese é a alanina, por ser mais rapidamente convertido em glicose do que o glicerol.
O organismo quase não possui reservas de proteína. O fígado não capta aminoácidos ramificados, a única reserva é no músculo. A alanina sai do músculo e vai para o fígado através do ciclo Glicose-alanina.
No caso da alanina, seu esqueleto carbornado é o piruvato que é o precursor da glicose na gliconeogênese.

Na gestante, o principal substrato para a gliconeogênese é o glicerol porque o organismo da mãe prefere deixar a alanina para o feto (aas conseguem passar pela barreira placentária).

Sedo assim, podemos dizer que a hipoglicemia materna não ocorre devido à incapacidade materna em produzir glicose, mas da alta necessidade fetal de glicose.

Importância da glicose para o feto
· O feto ainda não possui vias enzimáticas bem desenvolvidas de modo a sintetizar glicose;
· A glicose pode ser utilizada também para a síntese de ácidos graxos no fígado e tecido adiposo fetal;
· A transferência placentária de glicose ocorre por difusão facilitada, ou seja depende do gradiente de concentração (quanto mais glicose materna, maior quantidade de glicose será disponibilizada ao feto).

Metabolismo dos Lipídios durante a Gestação:
Os principais responsáveis são:
· HSL (Lipase Hormônio Sensível) = promove a lipólise através da mobilização dos triglicerídeos. É inibida pela insulina.
· LPL (Lipase Lipoproteica) = favorece a captação de ácidos graxos, aumentando o estoque de tecido adiposo. É estimulada pela insulina.
· Lipogênese (Síntese de ácidos graxos, principalmente, a partir da glicose). É estimulada pela insulina.

1º e 2º trimestre de gestação:
· Hiperfagia (aumento da disponibilidade de substratos);
· ↑ lipogênese → acúmulo das reservas adiposas
· ↓ atividade da HSL no tecido adiposo
· ↑ atividade da LPL no tecido adiposo

A lipogênese ocorre tanto no tecido adiposo como no fígado, e a lipogênese no fígado explica a hipertrigliceridemia durante a gravidez.
Obs: No indivíduo, o ganho de tecido adiposo não ocorre devido ao aumento da lipogênese, mas ao aumento da atividade da LPL.
Obs 2: A lipogênese no tecido adiposo diminui um pouco antes do parto.

3º trimestre de gestação:
· ↑ Lipólise. Ocorre devido:
· ↑ secreção de hormônios catabólicos (Ex: catecolaminas e glucagon), estimulados pela placenta e ovários;
· ↑ atividade da HSL no tecido adiposo
· Captação de toda a glicose da mãe para o feto, ocorrendo assim à hipoglicemia materna.

· ↓ atividade da LPL no tecido adiposo
· ↓ Lipogênese. Com subseqüente:
· ↑ ácidos graxos livres no plasma.
Obs: os ácidos graxos serão reesterificados no fígado para formar triglicerídeos e enviados ao tecido adiposo materno via VLDL.

A junção destes fatores acarreta uma maior concentração de ácidos graxos e glicerol no sangue da mãe.
O jejum durante o 3º trimestre provoca a hipercetonemia (↑ corpos cetônicos), porque aumenta ainda mais a lipólise dos ácidos graxos.

Vantagens do aumento da atividade lipolítica no tecido adiposo materno:
· A reserva adiposa é fonte de substratos para a cetogênese e neoglicogênese durante uma possível carência alimentar;
· Fonte de ácidos graxos essenciais ao feto;
· A hipertrigliceridemia prepara a mãe para a lactação.
Antes do parto, ocorre um aumento da atividade da LPL na glândula mamária, promovendo um leite mais rico em lipídios.

Hipertrigliceridemia materna
É comum durante o 3º trimestre de gestação devido ao aumento da atividade da LPL em todos os tecidos (exceto nas glândulas mamárias), diminuindo a captação de triglicerídeos do sangue para os tecidos.
Obs: Um pouco antes do parto a prolactina ativa a LPL nas glândulas mamárias, permitindo que a mãe possa amamentar seu filho logo após o parto.
O aumento da lipólise aumenta também o transporte de triglicerídeos, através do VLDL, para o fígado. Na gestante a proteína CETP (proteína transferidora de ésteres de colesterol) está muito ativada. Esta proteína transfere o colesterol da LDL (ou HDL) para a VLDL e os triglicerídeos da VLDL para a LDL (ou HDL). Assim, podemos dizer que, na gestante, os triglicerídeos são carreados pela VLDL, HDL e LDL.

Origem do VLDL:
· ↑ lipólise no tecido adiposo acarreta maior teor de triglicerídeos hepáticos com subseqüente ↑ produção de VLDL pelo fígado, para conduzir os triglicerídeos;
· ↓ catabolismo da VLDL (devido a ↓ da atividade da LPL em todos os tecidos, exceto na glândula mamária);
· ↑ absorção intestinal de lipídios provenientes da dieta.

Resistência à Insulina materna
O hormônio que controla o metabolismo durante a gravidez é a insulina.
Fase Anabólica: ↑ secreção de insulina
· ↑ peso corporal;
· ↑ lipogênese;
· ↑ atividade da LPL no tecido adiposo

Fase Catabólica: ↓ resposta à insulina
· ↑ atividade lipolítica no tecido adiposo;
· ↓ acúmulo de glicogênio hepático;
· ↓ atividade da LPL no tecido adiposo;
· ↑ ácidos graxos livres no sangue

Mecanismos que podem explicar a resistência à insulina durante a fase catabólica:
· Os hormônios próprios da gestação possuem efeito anti-insulínico;
· Os hormônios contra-reguladores (catecolaminas) liberados em episódios de hipoglicemia possuem efeito anti-insulínico;
· O alto teor de ácidos graxos livres no sangue (Hiperlipidemia gestacional) pode influenciar na captação da insulina pelos tecidos.
Obs: A resistência à insulina é necessária para manter a situação catabólica no organismo materno garantindo o fornecimento de substratos para o feto.

Diabetes Gestacional
Surge durante a 24ª semana de gravidez devido à exacerbação neuronal neste período.
A gestante diabética transfere muito mais glicose para o feto do que o necessário, e para metabolizar esta glicose ele necessita aumentar a secreção de insulina, acarretando em macrrossomia fetal.
Ainda não se sabe o motivo certo para o desenvolvimento da Diabetes Gestacional, mas especula-se que haja relação com:
· Obesidade ou ganho de peso excessivo durante a gestação;
· Obesidade materna antes da gravidez;
· Deposição central de gordura (obesidade abdominal);
· História familiar de diabetes em parentes de 1º grau;
· Idade avançada;
· Baixa estatura (> 1,50m);
· Crescimento fetal excessivo;
· Macrossomia fetal (devido a uma excessiva oferta de glicose);
· Hipertensão ou pré-eclâmpsia durante a gravidez;
· Etc.

As repercussões do Diabetes Gestacional são divididas de acordo com as fases gestacionais:
Fase embrionária:
· Má-formação fetal;
· Dificuldade na absorção de nutrientes.

Fase Fetal:
· Alterações no crescimento fetal: macrossomia;
· Distócia (dificuldade durante o parto);
· Asfixia perinatal

Recém-nascido:
· Alterações metabólicas (hipoglicemia, hipocalemia (↓ K+), hiperbilirrubinemia (↑ bilirrubina plasmática) e policitemia (↑ hemácias).


Baseado na aula ministrada pela Profa. Maria das Graças Tavares do Carmo durante a disciplina de Bioquímica e Fisiologia da Nutrição - Programa de Pós-Graduação em Nutrição do Instituto Josué de Castro (UFRJ).